“Tenho fadiga constante”, diz jovem que vive com 3 doenças autoimunes





A estudante de enfermagem Rayssa Machado, 21 anos, tem o diagnóstico de três doenças de características autoimunes. Desde a infância, ela convive com sintomas que aos poucos descobriu serem de psoríase, lúpus e hidradenite supurativa, condições que afetam a pele e os órgãos internos.


Moradora de São José dos Campos, no interior paulista, Rayssa tem a lembrança de viver com as doenças desde suas memórias mais antigas. O primeiro diagnóstico que recebeu foi o da psoríase, após apresentar escamas e coceiras no couro cabeludo.


“Não se falava disso na época. Sofri muito com piadas e preconceito na escola. As pessoas achavam que era falta de higiene ou piolho”, conta.


Em uma das últimas crises severas de psoríase, em 2023, Rayssa chegou a ficar careca. “Não é fácil. Nessa crise, eu perdi 80% dos fios, fiquei praticamente careca. O processo inflamatório da psoríase estava tão exacerbado que estava consumindo muito ferro do meu corpo e fiquei anêmica. As lesões cobriram meu rosto, abdômen e pescoço. Senti que estava à beira de um colapso físico e emocional”, conta.



Casos graves da psoríase afetam tanto a autoestima como a saúde física de quem tem a condição. “Muitas vezes ela é diminuída como se fosse apenas uma simples doença de pele. Mas a verdade é que ela pode afetar muito mais do que o tecido cutâneo, indo além da superfície e atingindo as articulações, o coração, o trato gastointestinal e outros órgãos. O distúrbio é causado por um sistema imunológico excessivamente ativo, que pode atacar muitas áreas do corpo”, explica o dermatologista Daniel Cassiano, da Sociedade Brasileira de Dermatologia – Regional São Paulo (SBD-SP).


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As crises de hidradenite levaram à formação de inchaços dolorosos, especialmente nas axilas e na virilha

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Na última crise de psoríase, em 2023, Rayssa quase perdeu todo seu cabelo

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Ela avalia que perdeu 80% do cabelo

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Rayssa chegou a ficar internada para tratar uma crise de lúpus que atingiu seus rins em 2024

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Diagnóstico de hidradenite supurativa


Na adolescência, novas dores surgiram. Aos 13 anos, abcessos passaram a aparecer nas axilas e na virilha de Rayssa. A dor era intensa e as lesões recorrentes. Por anos, os sintomas foram tratados como furúnculos. O diagnóstico correto só veio anos depois: hidradenite supurativa.


A hidradenite é uma inflamação crônica do folículo piloso. Afeta principalmente mulheres jovens e provoca nódulos dolorosos, secreção e, muitas vezes, odor. Estima-se que 850 mil brasileiros vivam com a condição, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).


“Passei por vários médicos. Achavam que uma forma agressiva da psoríase podia estar causando as feridas. Mas os medicamentos não ajudavam e a dor continuava. É doloroso, visível e afeta muito a autoestima”, diz Rayssa. Só três anos depois, em um pronto-socorro, um médico suspeitou da hidradenite.


Para a jovem, o diagnóstico de  hidradenite foi um divisor de águas. “Foi quando comecei a entender quem eu era. Fui obrigada a olhar para mim de forma diferente e comecei a falar sobre isso nas redes”, conta. Hoje ela é influenciadora na área da saúde.


Descoberta do lúpus


Apesar de conviver com duas doenças crônicas, Rayssa não estava preparada para receber um novo diagnóstico relacionado ao sistema imunológico. Ela diz que viu o mundo cair quando descobriu o lúpus.


“Apesar de ser algo complexo, de difícil manejo e atrapalhar muito a minha qualidade de vida, eu já tinha aprendido a lidar com as crises de psoríase e hidradenite. Cabelo cresce, pele melhora, autoestima a gente lida. Mas saber que tenho uma doença sistêmica que pode afetar os meus rins, o meu pulmão ou qualquer órgão saudável foi algo que me baqueou de uma maneira extraordinária”, diz ela.


O lúpus exige controle constante. Rayssa precisa manter a alimentação equilibrada, evitar o sol, tomar medicações imunossupressoras e fazer acompanhamento com múltiplos especialistas. “É o que mais pesa no meu dia a dia. A fadiga é constante, mesmo quando está em remissão”, afirma.


Em 2024, ela teve uma crise intensa de lúpus que levou à inflamação dos rins. “Fiquei sete dias internada tomando corticoide, porque não tem muito a ser feito, sabe? Assustou muito. Você está de boa na sua vida e, do nada, é internada. Só quem tem doenças crônicas sabe”, diz.


O tratamento do lúpus depende do tipo de manifestação da doença e deve ser individualizado. “O foco é tentar controlar a atividade da doença, prevenindo a perda de função dos órgãos e evitando danos irreversíveis ao paciente”, afirma o reumatologista Odirlei Andre Monticielo, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).


Três doenças autoimunes simultâneas


Segundo Monticielo, algumas doenças autoimunes podem aumentar, ainda que levemente, o risco de desenvolvimento de outras. No entanto, é difícil dizer que lúpus e psoríase, por exemplo, estão conectadas em uma cadeia clara de causa e consequência.


“O sistema imunológico é muito difícil de ser totalmente compreendido. O aparecimento de uma doença autoimune depende de uma herança genética e também pode ser desencadeada por fatores ambientais, como radiação ultravioleta, infecções virais, dentre outros. É difícil entender seus gatilhos e causas”, considera.


Desafios no acesso ao tratamento


O tratamento das três doenças envolve um sistema de cuidados contínuos. Rayssa faz acompanhamento com dermatologista, reumatologista, nutricionista, psicólogo e psiquiatra. Também depende do Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso a medicamentos de alto custo.


Ela usa medicamentos orais e injetáveis. “São muitas consultas, exames, burocracias. É cansativo. Mas não dá para abrir mão. Negligenciar um sintoma pode gerar crise em outra doença. Tudo está conectado”, explica.


Informação como ferramenta de resistência


“A dor física é forte, mas o cansaço emocional é maior. É acordar todo dia sabendo que não posso relaxar. Qualquer descuido vira crise, internação ou retrocesso”, explica.


Apesar do cansaço e das limitações físicas, Rayssa segue estudando, criando conteúdo e tentando manter a rotina equilibrada. “Às vezes, tenho que matar os mesmos dez leões por dia. Mas sigo. Tenho consciência de que as doenças não me definem”, diz.


Ela reforça que o acesso à informação pode mudar o rumo da vida de quem convive com essas condições. “Muita gente sofre em silêncio por falta de diagnóstico. Eu quero que essas pessoas saibam que existe vida além da dor”.


No auge da pandemia, Rayssa criou um perfil no Instagram para falar das doenças e encontrar apoio. “Eu queria que alguém me dissesse que não estava sozinha. Hoje sou essa pessoa para muita gente”, diz. A comunidade digital virou uma rede de apoio.


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